Vivemos em uma espaçonave chamada Terra – entenda por quê

outubro 7, 2024
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Vivemos em uma espaçonave chamada Terra – entenda por quê


Viver de forma sustentável num ambiente fechado, onde todos os recursos são limitados e tudo precisa de ser reciclado, é essencial para os astronautas que habitam a Estação Espacial Internacional (ISS) e será ainda mais crítico em futuras colónias na Lua ou em Marte. E este é um conceito que também se aplica à Terra.

Em Semana Mundial do Espaçoque acontece de 4 a 10 de outubro, esse paralelo entre os desafios da vida em órbita e a sustentabilidade ambiental na Terra ganha destaque.

As tecnologias utilizadas na Estação Espacial Internacional para apoiar os astronautas são aplicadas na Terra. Crédito: Artsiom P – Shutterstock

Tal como a ISS, o nosso planeta funciona como um sistema em circuito fechado. Isso significa que tudo o que é consumido precisa ser reposto de alguma forma e os recursos devem ser reciclados, caso contrário haverá escassez e a vida no habitat se tornará insustentável.

Com os seus ecossistemas interligados, a Terra tem uma capacidade de carga limitada, como alertava o relatório.Limites ao crescimento“, do Clube de Roma, em 1973. A crescente demanda por energia, alimentos e água, somada à poluição causada pelas emissões de gases de efeito estufa, acelerou as mudanças climáticas e testou a capacidade do planeta de sustentar a vida como a conhecemos.

Os efeitos das alterações climáticas, como secas, incêndios florestais e fenómenos meteorológicos extremos, são sinais de que nos aproximamos de um ponto de viragem. Para evitar que esta situação se agrave, precisamos de adotar estratégias de reciclagem, redução de resíduos e produção sustentável de recursos, princípios já aplicados nos habitats espaciais.

Um estudo recente do Centro Aeroespacial Alemão, publicado na revista SustaeuAvaliações da Nable Earthsugere que as tecnologias desenvolvidas para habitats espaciais podem ser aplicadas na Terra para promover a sustentabilidade.

Práticas espaciais que podem ser adaptadas à Terra

Os investigadores destacam quatro aspectos essenciais que permitem que os habitats espaciais funcionem de forma fechada e sustentável, e mostram como estas práticas podem ser adaptadas ao nosso planeta:

1. Gestão de recursos:
Num ambiente espacial, tudo o que os astronautas utilizam, desde alimentos até energia, deve ser cultivado ou produzido de forma controlada. Por exemplo, a extracção excessiva de gelo lunar para obter água poderia esgotar rapidamente este recurso. Na Terra, a agricultura intensiva, a pesca excessiva e a mineração desenfreada são exemplos de como exploramos os recursos naturais sem pensar nas consequências a longo prazo. Precisamos de uma gestão mais cuidadosa dos nossos recursos para evitar que se esgotem rapidamente.

2. Reciclagem:
A reciclagem é vital num habitat espacial, pois o desperdício significa uma perda irrecuperável de recursos. Se os resíduos não forem reutilizados, o habitat sofrerá uma redução gradual na sua capacidade de sustentar a vida. Da mesma forma, na Terra, a reciclagem ajuda a minimizar a utilização de novos recursos e reduz a poluição ambiental. A criação de um sistema de reciclagem mais eficiente pode ajudar a reduzir a produção de resíduos e garantir a reutilização de recursos valiosos.

3. Autossuficiência:
Os astronautas dependem de reabastecimentos ocasionais da Terra, mas um habitat espacial precisa ser amplamente autossuficiente, capaz de produzir e reparar tudo o que precisa para funcionar. Na Terra, promover a auto-suficiência nas comunidades, seja através da produção local de alimentos ou de energia, pode reduzir as emissões de carbono associadas ao transporte de recursos. As tecnologias para promover a auto-suficiência também podem melhorar a resiliência das comunidades contra perturbações externas, como catástrofes naturais ou crises económicas.

4. Resiliência:
A Terra tem sustentado a vida há milhares de milhões de anos, mas a utilização excessiva dos seus recursos está a ameaçar essa resiliência. Um sistema em circuito fechado, seja no espaço ou na Terra, deve ser capaz de resistir às mudanças e continuar a operar indefinidamente. Precisamos de garantir que os nossos ecossistemas permanecem funcionais e saudáveis, mesmo face a pressões como o aquecimento global e a destruição de habitats.

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As tecnologias espaciais contribuem para a sustentabilidade do planeta

Muitas das tecnologias desenvolvidas para a exploração espacial já contribuem para a sustentabilidade na Terra. Um exemplo claro são os painéis solares. Embora tenham sido inventados em 1954, só se tornaram populares com a sua utilização no espaço, onde alimentam satélites desde 1958.

Painéis solares da ISS: a tecnologia desenvolvida para o espaço é cada vez mais utilizada na Terra. Crédito: NASA TV

Atualmente, os painéis solares são amplamente utilizados na Terra e contribuem para a geração de energia limpa, sem as emissões de dióxido de carbono das usinas a carvão ou os resíduos perigosos das usinas nucleares. Em 2023, a energia solar representava 5,5% da eletricidade mundial, um número que continua a crescer à medida que mais pessoas adotam esta fonte renovável.

Outra tecnologia espacial com aplicações na Terra é a agricultura controlada. Na ISS, os astronautas cultivam vegetais, como alface, num ambiente fechado e controlado. Este sistema utiliza “almofadas de sementes” com fertilizantes e argila, além de luzes LED projetadas para otimizar a fotossíntese.

Esta técnica está a ser adaptada para a “agricultura vertical” em áreas urbanas aqui na Terra, onde é possível cultivar alimentos utilizando menos terra e água, ao mesmo tempo que reduz a necessidade de transporte e, consequentemente, as emissões de carbono.

A reciclagem da água é essencial para a sobrevivência

A reciclagem de água na ISS é crucial porque o transporte de água da Terra é caro. A estação utiliza um sistema que transforma vapor d’água, suor e até urina em água potável. Aqui, esta tecnologia foi adaptada para criar filtros portáteis que permitem às comunidades pobres ter acesso a água potável, especialmente em regiões onde a água potável é escassa.

Outro grande desafio no espaço é a remoção do dióxido de carbono do ar. Na ISS, um sistema desenvolvido pela Agência Espacial Europeia (ESA), o Advanced Closed Loop System (ACLS), converte 50% do dióxido de carbono em oxigênio, sem a necessidade de grandes quantidades de água da Terra.

Este tipo de tecnologia de captura de carbono também está a ser adaptada para utilização na Terra, com ventiladores gigantes concebidos para remover CO2 da atmosfera e mitigar os efeitos das alterações climáticas.

Keith Cooper, jornalista britânico formado em astrofísica, destacou em matéria para o site Espaço.com que, apesar dos benefícios potenciais, os programas espaciais são frequentemente criticados pelo seu elevado custo e pelas emissões de carbono associadas ao lançamento de foguetões. “Cada lançamento pode liberar até 300 toneladas de CO2 na atmosfera. No entanto, as tecnologias desenvolvidas para a exploração espacial são uma forma de compensar estes impactos, ao mesmo tempo que nos ajudam a construir um planeta mais sustentável.”

Como compara Cooper, a Terra é, portanto, a nossa “nave espacial” mais importante e as lições que aprendemos com a vida no espaço podem ser aplicadas para garantir que continue a ser habitável para as gerações futuras.





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