Como a digestão do amido transformou a evolução humana

outubro 18, 2024
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Como a digestão do amido transformou a evolução humana


Assim que a pessoa coloca na boca alimentos como pão, salgados ou purê de batata, inicia-se o processo de digestão do amido – graças à ação de uma enzima presente na saliva chamada amilase. Esta enzima desempenhou um papel crucial na evolução humana, à medida que os nossos antepassados ​​aprenderam a cozinhar e depois com o surgimento da agricultura.

Dois estudos recentes revelam que os nossos antepassados ​​adquiriram mais genes de amilase em duas fases distintas. A primeira, há centenas de milhares de anos, pode ter estado associada ao uso do fogo. A segunda ocorreu há cerca de 12 mil anos, com a transição para a agricultura.

Durante a descoberta do fogo, há centenas de milhares de anos, os nossos antepassados ​​adquiriram mais genes de amilase. Crédito: Gorodenkoff – Shutterstock

Um desses estudos foi liderado pelo geneticista Omer Gokcumen, da Universidade de Buffalo, em Nova York, EUA, e foi descrito em artigo publicado nesta quinta-feira (17), na revista Ciência.

Segundo Gokcumen, essa adaptação alimentar foi fundamental para a evolução da nossa espécie. Ele explica que o número de genes da amilase varia de acordo com a dieta das populações, e essa variação pode estar ligada a doenças modernas, como o diabetes, relacionadas ao consumo excessivo de amido.

Para o pesquisador, essas descobertas podem abrir caminho para tratamentos médicos que utilizem a amilase no combate a essas doenças. Ele sugere que, no futuro, será possível desenvolver medicamentos baseados nesta enzima.

A pesquisa sobre a produção de amilase começou na década de 1960, quando os cientistas descobriram que algumas pessoas produziam mais enzima na saliva. No entanto, só recentemente, com os avanços na sequenciação do ADN, foi possível identificar com precisão quantas cópias dos genes da amilase estão presentes no genoma humano.

A capacidade humana de ingerir e digerir alimentos ricos em amido se deve à ação de uma enzima presente na saliva chamada amilase. Crédito: Lisa A – Shutterstock

Outro estudo, liderado por Peter Sudmant, geneticista da Universidade da Califórnia, Berkeley, e publicado na revista Naturezarevela que o número de cópias dos genes da amilase varia significativamente entre os indivíduos. Algumas pessoas têm até 11 cópias desse gene.

Essa variação genética diferencia os humanos de outras espécies. Chimpanzés e outros macacos também produzem amilase na saliva, mas possuem apenas um gene para essa enzima.

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Enzima que decompõe o amido já estava presente em humanos há 45 mil anos

A equipe de Gokcumen encontrou evidências fósseis que indicam que os humanos há 45 mil anos já tinham cerca de cinco cópias dos genes da amilase.

Os neandertais também tinham vários exemplares, sugerindo que essa característica já existia no ancestral comum entre os humanos modernos e os neandertais, que viveram há mais de 600 mil anos. O estudo de Gokcumen diz que o uso do fogo para cozinhar alimentos ricos em amido pode ter sido um fator determinante nesta evolução, pois o calor torna esses alimentos mais fáceis de digerir.

À medida que as dietas humanas começaram a depender mais do amido, a seleção natural pode ter favorecido aqueles que produziam mais amilase. Isso teria permitido que esses indivíduos processassem e absorvessem nutrientes com mais eficiência.

O estudo de Sudmant também sugere que a duplicação dos genes da amilase começou há centenas de milhares de anos. Embora enfatize que a relação entre essa evolução e o uso do fogo ainda não foi totalmente comprovada, a hipótese é suspeita.

A revolução agrícola foi outro marco importante. Há cerca de 12.000 anos, várias sociedades começaram a cultivar plantas ricas em amido, como trigo, cevada e batata. Evidências genéticas de esqueletos dessa época mostram que pessoas com mais genes de amilase tinham maiores chances de sobrevivência e reprodução.

Esta tendência tem sido observada em diversas partes do mundo, como Europa, Ásia Ocidental e Peru, onde a batata foi domesticada há mais de cinco milénios. Genes extras de amilase tornaram-se mais comuns nessas regiões.

Chimpanzés e outros macacos também produzem amilase na saliva. Fabian Plock – Shutterstock

Embora estes estudos forneçam novas informações sobre a importância da amilase na evolução humana, ainda existem muitas incertezas. Hoje, a quantidade desta enzima no corpo não parece ter um grande impacto na saúde, o que levanta questões sobre quais as vantagens que genes adicionais proporcionaram aos nossos antepassados.

Uma hipótese sugere que, além de auxiliar na digestão, a amilase poderia atuar como um sinal para o organismo, estimulando a produção de insulina e aumentando a absorção de açúcar, principalmente em momentos de escassez alimentar.

De acordo com o jornal O jornal New York Timesoutros investigadores alertam que a intensa selecção natural no gene da amilase pode não ser a única explicação para a sua propagação. Para eles, as migrações populacionais também podem ter influenciado a prevalência desses genes em diferentes regiões do mundo.





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