Nem todos os tipos de etanol são bons para o meio ambiente; entenda

setembro 13, 2024
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Nem todos os tipos de etanol são bons para o meio ambiente; entenda


Produzido em larga escala no Brasil e um dos pontos importantes no que diz respeito à transição energética nos transportes, o etanol de cana-de-açúcar está à frente dos combustíveis fósseis por ser renovável e reduzir as emissões de CO₂ em até 90% em relação à gasolina.

No entanto, nem tudo é cor de rosa. Estudo do professor Marcelo Sant’Anna, da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), aponta que é preciso observar a sustentabilidade efetiva a partir de alguns fatores, como o uso adequado do solo.

No artigo “Quão verde é o etanol de cana?” (“Quão verde é o etanol de cana?”, em tradução livre), publicado este ano, indica que 92% do aumento da produção brasileira de etanol de cana-de-açúcar poderia ser alcançado com a expansão da área plantada, sendo os 8% restantes da aumento da produtividade de áreas já utilizadas.

“Estima-se que o aumento da demanda por etanol de cana poderá provocar a expansão de terras para esse fim, caso não existam políticas públicas e práticas empresariais robustas para a sustentabilidade”, afirma o pesquisador.

A forma como a cana-de-açúcar é plantada afeta o etanol em termos de quão bom ele é para o meio ambiente (Imagem: ThamKC/Shutterstock)

Embora o etanol tenha uma pegada de carbono menor que os combustíveis fósseis, há cenários em que a produção pode ser mais poluente, principalmente quando há desmatamento significativo para expansão de plantações, o que libera muito CO₂ armazenado nas florestas.

“Por exemplo, a produção de etanol nos Estados Unidos (essencialmente derivado do milho) não cumpriu as metas políticas do próprio país em matéria de emissões de gases com efeito de estufa. E houve impactos negativos na qualidade da água, na área de terra utilizada para conservação e noutros processos ecossistémicos. Um estudo americano indica uma pegada de carbono 24% maior para o etanol em comparação à gasolina. Portanto, a sustentabilidade do etanol depende de práticas agrícolas responsáveis ​​e do uso de tecnologias que minimizem a necessidade de novas áreas de plantio”, afirma Henrique Pereira, COO da WayCarbon, empresa de soluções focada na transição líquida zero, quando UOL.

Por sua vez, o estudo de Sant’Anna aponta que, se as boas práticas não forem seguidas, 75% da expansão brasileira ocorrerá em áreas atualmente utilizadas para a pecuária e outras culturas agrícolas.

“Por questões puramente econômicas, a cana-de-açúcar pode substituir esses espaços e novas áreas, como a Amazônia, podem ser desmatadas para a pecuária, por exemplo. É um efeito indireto que precisa ser analisado”, continua a pesquisadora. Do total de novas áreas plantadas, estima-se que 19% resultariam de desmatamento.

A conversão da vegetação nativa em área de cultivo pode resultar em perda de biomassa por hectare e, portanto, ocasionar perda de estoque de carbono, como explica Pereira. “O etanol produzido em regiões recentemente desmatadas traz um impacto climático significativamente maior do que o etanol produzido onde a atividade agrícola já está consolidada há muito tempo, como no interior de São Paulo.”

Segundo pesquisa realizada pela Agroicone, Unicamp e Embrapa Meio Ambiente e citada por Pereira, nos últimos 20 anos de cultivo de cana-de-açúcar no Brasil, houve um avanço de áreas nativas de apenas 1,6% do total.

“Ou seja, se realmente tivermos uma situação em que 19% das novas áreas destinadas ao etanol sejam oriundas do desmatamento, estaremos aumentando a pegada ecológica e a pegada de carbono média do etanol brasileiro, prejudicando a própria credibilidade do setor sucroenergético e cadeia do álcool como alternativa sustentável. aos combustíveis fósseis”, explica o COO da WayCarbon.

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Para André Valente, diretor de sustentabilidade da Raízen, o estudo de Sant’Anna provoca debate. “No entanto, quando olhamos os dados de áreas que antes eram pastagens, encontramos em sua maioria espaços degradados e recuperados. Além disso, nos últimos 20 anos, a cana-de-açúcar capturou aproximadamente 200 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, ou seja, algo como plantar 1,4 milhão de árvores, ou 80 áreas do tamanho da cidade de Paris”, afirma.

Sant’Anna diz, quando UOLpode haver um cenário de incentivos fiscais e políticas de preços para que agricultores e indústrias tenham interesse em expandir a produção intensiva na mesma área onde já estão localizados.

A Raízen, por exemplo, que produz e distribui etanol, pretende aproveitar ao máximo a cana-de-açúcar. “A cana-de-açúcar pode produzir mais de dez produtos. E, se houver necessidade de aumentar a área plantada para isso, será necessário respeitar políticas públicas que exigem sustentabilidade e são cada vez mais rigorosas”, aponta Valente.

Hoje, a empresa utiliza não só o suco para produzir etanol, mas também o bagaço para o chamado etanol de segunda geração, um biocombustível feito a partir de resíduos da fabricação do etanol.

Basicamente, possui a mesma composição química e utilização do etanol de primeira geração, porém, com aumento de 50% na produtividade sem aumento de área plantada, além de redução de 30% na pegada de carbono.

Também utilizam vinhaça e torta de cana no campo como fertilizantes. “Extraímos assim mais possibilidades de descarbonização, desenvolvimento de biometano, entre outras práticas”, explica o diretor de sustentabilidade da empresa.

Outra questão é o tempo necessário para a substituição dos combustíveis fósseis pelo etanol de cana-de-açúcar para compensar as emissões de carbono do desmatamento inicial. O estudo do professor estima que serão necessários cerca de 20 anos para que essa compensação seja alcançada, ou seja, muito menos do que os 167 anos estimados para o etanol de milho.

Frentista de posto de gasolina abastece carro com etanol
A gasolina ainda é competitiva (Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O etanol de cana-de-açúcar é bom ou ruim?

  • O etanol de cana-de-açúcar é bom ou ruim? Depende de como será o uso e a produtividade da terra para o crescimento da procura;
  • “Do ponto de vista ambiental, sabe-se que o etanol emite menos que os combustíveis fósseis, mas, com o aumento da procura, o etanol será bom se não contribuir para o aumento do desmatamento e consequências nefastas para a biodiversidade. Além disso, pode ser um caminho importante na transição energética”, afirma o professor da FGV;
  • Hoje, mais de 85% do etanol vendido no Brasil é certificado pelo RenovaBio, garantindo a rastreabilidade da cadeia e a ausência de desmatamento direto e indireto;
  • Portanto, é também uma questão empresarial, para que empresas e agricultores sigam as diretrizes para operar;
  • No Brasil, o etanol de cana-de-açúcar também leva vantagem em relação, por exemplo, ao crescimento da demanda por veículos elétricos, pois não são necessárias mudanças no processo de produção e fornecimento em comparação aos combustíveis fósseis;
  • “À medida que as frotas forem eletrificadas ou começarem a utilizar novos combustíveis, como o hidrogénio verde, o etanol continuará a desempenhar um papel importante no processo de transição para o fim do uso de combustíveis fósseis, mas, novamente, enquanto as políticas mitigarem a agricultura indevida expansão”, destaca Sant’Anna.

A produção de biocombustíveis no Brasil atingiu recorde em 2023. Juntos, etanol e biodiesel totalizaram quase 43 bilhões de litros produzidos, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP).

O etanol aumentou 15,5%, com mais de 35 bilhões de litros produzidos. O etanol hidratado cresceu 16%, enquanto o etanol anidro, misturado à gasolina, aumentou 13,5%. Em 2023, as vendas de gasolina e etanol subiram 6,2%, para 62,2 bilhões de litros.

Isto se deve, por exemplo, à prática de subsídios fiscais aos produtos petrolíferos, o que torna a gasolina competitiva no mercado. O etanol, por sua vez, é considerado vantajoso para o motorista quando custa menos de 70% do preço da gasolina.

Valente acredita que os combustíveis com emissões mais baixas do que os combustíveis fósseis são a chave para a descarbonização, mas se usados ​​a coexistência. “Embora a frota elétrica faça sentido para curtas distâncias e o hidrogênio verde esteja em fase de desenvolvimento, o etanol continua sendo um combustível versátil que pode funcionar com outras opções de biocombustíveis”, finaliza.





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