O espaço é um ambiente misterioso, não só pelo que os olhos podem ver, mas principalmente pelo que os sentidos humanos podem perceber. Entre as curiosidades reveladas pelos astronautas que estiveram em órbita está o intrigante “cheiro de espaço”, sensação que parece contradizer o vácuo e a ausência de ar característicos do cosmos.
A vida na Estação Espacial Internacional (ISS) é uma combinação de tarefas rigorosamente planeadas e momentos de contemplação. Astronautas como Suni Williams e Butch Wilmore, que estão em missão estendida até fevereiro de 2025 devido a preocupações de segurança com a espaçonave Starliner, compartilham a estrutura com outros nove tripulantes.
A rotina na estação começa cedo. Por volta das 3h30 (horário de Brasília), os astronautas saem de seus pequenos quartos – com espaço para pertences pessoais e comunicação constante com a Terra – e começam o dia.
Grande parte do tempo é dedicado a atividades de manutenção e experiências científicas nos laboratórios da ISS. Chris Hadfield, astronauta canadense que comandou a Expedição 35 em 2013, descreve a estação como um lugar calmo, onde é possível passar metade do dia sem ver outro tripulante, apesar do seu tamanho.
Nesse sentido, a estrutura pode ser comparada a um campo de futebol americano (ou a quatro quadras de basquete). Possui cerca de 109 metros de extensão de ponta a ponta, com seus painéis solares estendidos, o que se aproxima do tamanho de um campo (aproximadamente 91 metros). Outra comparação comum é com uma casa de cinco quartos em termos de volume interno de 388 metros cúbicos, oferecendo espaço para tripulação e experimentos científicos.
Além das experiências, o dia a dia inclui a adaptação a um espaço sem peso, onde até a higiene e o exercício físico exigem soluções criativas. O suor e a urina são reciclados e os astronautas exercitam-se duas horas por dia para combater os efeitos da microgravidade nos ossos e músculos.
Equipamentos como o Dispositivo Avançado de Exercício Resistivo (ARED) ajudam a manter a saúde física, enquanto outras atividades como caminhadas espaciais dão aos astronautas a oportunidade de ver o cosmos sem quaisquer barreiras, exceto a viseira dos seus capacetes.
Algo que realmente chama a atenção dos astronautas é a percepção do que eles descrevem como “cheiro de espaço”. Apesar da ausência de ar e de atmosfera, um odor metálico parece permear os trajes espaciais e equipamentos que entram em contato com o vácuo.
Em entrevista com Notícias da BBCa primeira britânica no espaço, Helen Sharman, que esteve na estação soviética Mir em 1991, descreve esse cheiro como algo metálico e único. “Na Terra, temos muitos cheiros diferentes, como de roupa lavada na máquina de lavar ou de ar fresco. Mas no espaço só existe um cheiro e nos acostumamos rapidamente.”
A explicação científica envolve radicais livres formados pela radiação do espaço, que interagem com o oxigênio dentro da ISS, criando o odor característico.
Sharman afirma que, após seu retorno à Terra, passou a valorizar muito mais as sensações físicas, como o toque da chuva e o vento no rosto, algo que não existe no espaço. A experiência de ficar completamente isolado desses estímulos sensoriais por dias ou semanas é uma das marcas mais profundas deixadas pelas missões espaciais, segundo ela.
Embora o espaço ofereça vistas espetaculares da Terra e experiências únicas, viver num ambiente confinado com outros astronautas requer paciência e cooperação. Sharman explica que os astronautas são escolhidos não apenas por suas habilidades técnicas, mas também por sua capacidade de trabalhar em equipe e lidar de forma construtiva com situações de conflito.
A falta de gravidade, por exemplo, altera até a forma como lidam com questões cotidianas, como a alimentação. Nicole Stott, que esteve em duas missões da NASA, lembra que a comida na ISS é basicamente “comida de acampamento”, e os astronautas precisam ter cuidado para evitar que pequenos pedaços flutuem para o espaço.
Outro desafio é a higiene pessoal. Sem uma forma eficiente de lavar as roupas, os astronautas usam os mesmos itens durante semanas, até serem descartados em cápsulas de carga que, ao reentrar na atmosfera terrestre, são queimadas. Nicole conta que chegou a usar a mesma calça durante três meses, já que, na microgravidade, as roupas não entram tanto em contato com a oleosidade corporal.
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A experiência é descrita positivamente por todos os astronautas
Apesar das dificuldades, todos os astronautas que já estiveram na ISS relatam que a experiência é transformadora. Hadfield descreve a estação espacial como “uma bolha de vida” flutuando na vastidão do espaço, um testemunho da engenhosidade humana.
No final de um longo dia, os astronautas reúnem-se frequentemente para comer, partilhar histórias e refletir sobre a sua missão conjunta, representando os esforços de vários países na exploração espacial.
Ver a Terra de uma perspectiva tão distante também tem um impacto psicológico profundo. Sharman diz que a visão do planeta, com as suas nuvens e oceanos, fez com que ela questionasse as divisões geopolíticas criadas pelos humanos e reforçou a sua noção de interligação global.
Por mais desafiante que possa ser a vida na ISS, todos os astronautas concordam numa coisa: regressariam ao espaço sem hesitação. Para Nicole, deixar a estação foi uma das tarefas mais difíceis de sua vida, e muitos astronautas veem suas missões estendidas não como uma prisão, mas como o maior presente que poderiam receber. “Sonhamos, trabalhamos e treinamos a vida toda na esperança de uma estadia prolongada no espaço”, revela Hadfield.
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